Ver, buscar e encontrar: a resposta ao chamado de Deus (Mt 2,1-12)
Na liturgia, encontramos este evangelho na Solenidade da Epifania do Senhor celebrada no dia 6 de janeiro. No Brasil, desde 1984, é celebrada no domingo entre 2 e 8 de janeiro.
Contexto
A palavra Epifania vem do grego e significa “manifestação” ou “revelação”. Na liturgia da Solenidade da Epifania do Senhor, celebramos as manifestações de Deus aos pagãos. Jesus é Rei dos reis e Senhor dos senhores (cf. Ap 17,14) e, como tal, deve ser adorado por todos os povos: israelitas (pastores) e pagãos (magos do Oriente). No Brasil, é muito popular a tradição dos reisados, quando homens fantasiados visitam as casas das pessoas, para recordar a visita do Reis Magos a Jesus. O Evangelho proposto nesta solenidade é um texto exclusivo de Mateus e é comum aos três anos litúrgicos (A, B e C). Durante a celebração, é feito o anúncio das solenidades móveis do ano (depois do Evangelho ou antes da bênção final).
Nos capítulos 22 a 24 do Livro dos Números, encontramos a narrativa de Balaão, um profeta pagão cujas profecias a respeito de Israel eram conhecidas tanto pelos israelitas quanto pelos pagãos. É possível que as previsões de Balaão, em conjunto com a observação dos astros, tenham sido as principais orientações que conduziram os Magos do Oriente até Jerusalém. O nascimento de Jesus aconteceu mais ou menos mil anos depois do nascimento do rei Davi. Nessa linha, os Magos proclamaram a realeza de Jesus, usando o mesmo título que Pilatos (outro pagão) mandou colocar na Cruz: Rei dos Judeus.
A perícope tem um profundo apelo vocacional. Os Magos do Oriente são modelo de discernimento, escuta e disponibilidade para atender ao chamado de Deus. Por não serem judeus, eles são os primeiros pagãos a reconhecer a divindade de Jesus e, por isso, caminharam à nossa frente no chamado à salvação. Eles nos ensinam a ler o primeiro livro escrito por Deus: a criação! Além disso, mostram que tudo o que foi criado pode nos servir de meio para chegar ao conhecimento de Deus. Os pastores, em sua simplicidade, receberam a revelação através da manifestação de um Anjo. Já os Magos tiveram o árduo caminho do estudo que, somente com a fé, é capaz de nos conduzir a um encontro pessoal com Jesus.
Dar um sim ao chamado de Deus nem sempre é fácil. Os magos viram a estrela com os olhos, mas aquela aparição necessitava ser vista com o coração. Quando o significado ficou claro, eles tiveram que se desinstalar e se colocar a caminho. Era necessário comprometer-se, e os magos não se fizeram de desentendidos. Ouviram o chamado e disseram “sim”. Eram homens que, mesmo vivendo nas trevas do paganismo, responderam prontamente à luz que os chamava para a fé. A solenidade da Epifania celebra o dom da fé!
Contudo, pouco sabemos sobre essas figuras misteriosas e algumas perguntas permanecem: O que realmente eram? Quantos eram? Como se chamavam? De onde vinham? O que mudou em suas vidas após o encontro com Jesus? Que fim levaram?
Comentário
“Tendo nascido Jesus na cidade de Belém, na Judeia, no tempo do rei Herodes, eis que alguns magos do Oriente chegaram a Jerusalém, perguntando: ‘Onde está o rei dos judeus, que acaba de nascer? Nós vimos a sua estrela no Oriente e viemos adorá-lo’.” (vv. 1-2)
Os magos, pela lógica humana, procuraram o novo Rei dos Judeus no centro do poder real, em Jerusalém. Ao citar Herodes, Mateus faz um paralelo dele com Jesus (de Jerusalém com Belém, do centro com a periferia). O tema é a realeza. No decorrer do texto, veremos acenos sobre os modelos de reinado de cada um. Os magos chegaram a Jerusalém proclamando a realeza de Jesus e a intenção de adorá-lo. O fato dos magos terem acesso direto ao rei Herodes nos faz pensar que eram homens notáveis, que provavelmente estavam a serviço de algum soberano. Isso explicaria a diplomacia subentendida.
O texto bíblico não diz que os magos eram reis, quantos eram ou mesmo revela seus nomes. Apenas os chamam de magos do Oriente. Se eram do Oriente, então vieram do leste da Palestina. O evangelho apócrifo “siríaco-árabe da infância” (séc. IV-V) afirma que os magos eram três reis persas e que levaram consigo mais 9 pessoas, fazendo com que a comitiva contasse com 12 pessoas no total, recordando o número bíblico da Aliança (12 tribos de Israel e 12 apóstolos), servindo como uma referência à Aliança de Deus com todos os povos, incluindo os pagãos. São Beda (673-735) escreveu o tratado Excerpta et Colletanea, no qual nomeia três pessoas e informa suas possíveis origens: Melchior (ou Belchior) seria da Pérsia; Gaspar, da Índia; e Baltazar (o negro), da Arábia. Na Catedral de Colônia, na Alemanha, encontra-se uma urna com os supostos restos mortais dos magos, que teriam sido encontrados na Pérsia, no séc. IV, por Santa Helena, mãe do imperador romano Constantino. Contudo, não se pode afirmar, com certeza, a veracidade de tais informações.
Outra possibilidade a respeito da identidade desses personagens repousa no significado da expressão “mago” que, naquele tempo, poderia designar homens sábios, de ciência e estudo. Por conta dos seus conhecimentos, geralmente estavam a serviço dos reis, como conselheiros. Também era comum que as comitivas levassem presentes aos reis que visitassem e, se os magos ofereceram três presentes, é possível que se tratasse de três notáveis a liderar a comitiva, cada um com o seu presente. Continuaremos nosso estudo admitindo esta possibilidade.
Por volta do ano 40 a.C., o senado romano concedeu a Herodes o título de “Rei dos Judeus”. Ele começou a reinar na Judeia em 37 a.C., ocupando o cargo até sua morte. Como sabemos, ele era descendente de Esaú (Edom) e não de Jacó (Israel), por isso, grande parcela dos judeus era contrária ao seu governo. Para acalmar os ânimos, Herodes empreendeu a reforma e ampliação do Templo de Jerusalém, que havia sido reconstruído após o retorno do Exílio na Babilônia, no período da dominação persa, em uma versão mais simples em relação ao primeiro Templo, construído por Salomão. Os magos chegaram a Jerusalém procurando o Rei dos Judeus recém-nascido, o que provavelmente fez Herodes tremer (ele ficou alarmado, descreve Mateus). Ele era um assassino obstinado. Entre suas vítimas contamos algumas esposas, filhos e diversos inimigos políticos. Se a visita dos magos representava o perigo de perder o seu poder, certamente ele agiria cruelmente para manter sua posição. Foi exatamente o que ele fez no massacre dos santos inocentes.
Com uma profunda simplicidade, os magos relatam que empreenderam sua viagem por terem avistado uma estrela. Para que os magos tivessem tempo suficiente para viajar e encontrar o menino Jesus, supomos que a estrela apareceu bem antes do nascimento ou que José e Maria permaneceram algum tempo em Belém após o nascimento, até José ser informado em sonho da ameaça de Herodes e fugir para o Egito. Os estudiosos estrangeiros provavelmente tiveram contato com o messianismo judaico por meio de uma profecia, feita então há mais de mil anos, por um profeta pagão, o amotina Balaão. Tomás de Aquino e Remígio de Auxerre chamam os magos de “os descendentes de Balaão”. Ao estudar os astros e identificar uma nova estrela, eles associaram esse aparecimento ao que Balaão havia profetizado. A profecia também foi registrada no livro dos Números 24,17: “Uma estrela sai de Jacó, um cetro levanta-se em Israel.” A mesma profecia previa a ruína de Esaú (dos seus descendentes) diante do Rei de Israel: “Edom se tornará conquista dele” (Nm 24,18). Herodes, o edomita, provavelmente conhecia tal profecia, por isso preocupou-se diante da possibilidade do seu cumprimento.
Ao citar a estrela, Mateus também faz uma crítica ao culto dos astros promovido pelos romanos, no qual Júpiter era adorado como divindade principal. Assim, com um astro a serviço do menino Jesus, Mateus indica que o Messias é superior aos ídolos de Roma. Toda a criação se rende à encarnação do Logos, a razão criadora do universo.
A intenção dos magos era conhecer e adorar o Messias judeu. Adorar significa reconhecer Deus como Deus, prestando-lhe o respeito e a obediência que lhe são devidos. Aqui, os sábios nos deixaram mais um ensinamento: ao afirmar a divindade de Jesus, reconhecemos que não devemos adorar a nós próprios, ao nosso ego, às nossas vontades egoístas. Quando colocamos o nosso querer acima da vontade de Deus, a nossa opinião acima da Sagrada Escritura, tornamo-nos nosso próprio ídolo. Ao reconhecer a superioridade divina, os magos se colocaram em seu devido lugar na criação e na vida.
Muitas vezes a luz de Deus brilha para nós em um conselho, uma homilia, uma pregação, uma intuição, uma moção do Espírito... sempre nos indicando o caminho certo a seguir, mesmo que pareça estar na contramão do mundo. Dom Bosco dizia que a consciência é a voz de Deus que fala ao nosso coração. Por mais obstinada que uma pessoa esteja no pecado, ela nunca poderá calar a voz da sua consciência, sempre haverá um sinal de alerta em suas decisões, um convite interior à conversão. Talvez alguns na corte de Herodes tenham tomado os magos por loucos ou ingênuos, por terem viajado de tão longe apenas porque avistaram uma estrela. A certeza acerca do chamado de Deus na vida dos sábios serve para os dias de hoje, em que devemos ter a coragem de assumir a nossa vocação cristã, diante de um mundo que parece não compreender ou mesmo rejeitar a proposta de Jesus. Neste mundo que tenta cegar os filhos de Deus, somos chamados a ser estrelas que irradiam a luz de Cristo.
Chegando a Jerusalém, os magos pensaram ter chegado ao termo da sua viagem. Porém, devem ter ficado surpresos com o desconhecimento dos fatos por quem estava tão perto do acontecimento. A estrela havia se ocultado, algo estranho pairava no ar.
“Ao saber disso, o rei Herodes ficou perturbado, assim como toda a cidade de Jerusalém. Reunindo todos os sumos sacerdotes e os mestres da Lei, perguntava-lhes onde o Messias deveria nascer. Eles responderam: ‘Em Belém, na Judeia, pois assim foi escrito pelo profeta: E tu, Belém, terra de Judá, de modo algum és a menos entre as principais cidades de Judá, porque de ti sairá um chefe que vai ser o pastor de Israel, o meu povo’.” (vv. 3-6)
Aqueles que ficaram alarmados juntamente com Herodes certamente eram beneficiados com o seu governo. Um novo rei significava um novo arranjo na corte. Fechados em uma profunda mesquinhez, eles só pensavam em si mesmos. Estavam tão ocupados com a manutenção do poder, que o nascimento do Messias passaria sem ser notado. Mesmo diante do desconhecimento geral em Jerusalém, os magos continuaram firmes em seu chamado. Eles devem ter sido bem convincentes, pois Herodes mandou reunir os intelectuais e líderes religiosos, a fim de averiguar as informações trazidas.
A resposta dos estudiosos judeus cita a profecia de Miqueias (5,1) e ecoa em 2º Samuel 5,2. O profeta Miqueias previu a chegada de pagãos em Jerusalém com o objetivo de adorar o verdadeiro Deus, unindo-se aos israelitas nessa adoração (cf. Mq 4-5). O povo seria então governado por um rei-pastor, nascido em Belém-Éfrata. Tomás de Aquino explica que haviam duas cidades chamadas Belém: uma na tribo de Zabulon (região da Galileia, ao norte) e outra na tribo de Judá (região da Judeia, ao Sul), que antes se chamava Éfrata. Portanto, para que não houvesse dúvida, Miqueias foi específico ao citar Éfrata, ou seja, Belém de Judá, terra natal do rei Davi.
Jesus passa a ser tratado como uma ameaça civil e religiosa. Naquele tempo, os sumos sacerdotes eram subordinados ao poder romano, que os trocava quando bem entendesse. Roma era representada por Herodes que, por meio dos líderes judeus, mantinha o povo submisso. O Templo e a religião eram uma grande fonte de renda para os poderosos. Jesus, na periferia (Belém), faz tremer o centro do poder religioso e civil (Jerusalém).
Os magos experimentaram uma epifania diferente, antes de contemplarem o Menino Jesus. Após estudarem com dedicação o livro da criação, eles se depararam com as limitações da sua ciência. Mesmo com toda inteligência e empenho, só conseguiram chegar a Jerusalém. Ainda restava encontrar o Messias. Eles percorreram um bom caminho, mas este estava incompleto. Na ausência da estrela no céu de Jerusalém, brilhou para eles outra estrela: a Sagrada Escritura. Os sábios passaram da “revelação natural” para a revelação na Palavra de Deus. Só ouvindo a voz de Deus nas Escrituras é que eles finalmente tiveram o seu destino final traçado. A Palavra de Deus também é estrela, que nos guia na fragilidade dos discursos meramente humanos. O Messias tornou-se novamente próximo, Belém era a próxima e definitiva parada.
“Então Herodes chamou em segredo os magos e procurou saber deles cuidadosamente quando a estrela tinha aparecido. Depois os enviou a Belém, dizendo: ‘Ide e procurai obter informações exatas sobre o menino. E, quando o encontrardes, avisai-me, para que também eu vá adorá-lo’.” (vv. 7-8)
Herodes mostra toda a sua falsidade e tenta enganar os magos para que estes participem inconscientemente de seu plano maligno. Ao fazer o questionamento sobre o tempo em que a estrela havia aparecido, Herodes provavelmente já estava arquitetando a matança dos santos inocentes. Ele queria ter uma noção da idade das crianças as quais ordenaria a morte. Sua atitude de tentar eliminar Jesus lembra a de Saul, que tentou se livrar de Davi (cf. 1Sm 18,11). Herodes se nega a reconhecer a realeza de Jesus, e se limita a chamá-lo de “menino”.
“Depois que ouviram o rei, eles partiram. E a estrela, que tinham visto no Oriente, ia adiante deles, até parar sobre o lugar onde estava o menino. Ao verem de novo a estrela, os magos sentiram uma alegria muito grande.” (vv. 9-10)
Não se sabe quanto tempo os magos permaneceram em Jerusalém com Herodes. Após o conhecimento das Escrituras e profecias judaicas, eles partiram, guiados novamente pela estrela, que reapareceu. Eles ainda deveriam percorrer mais ou menos 8Km, de Jerusalém a Belém, mais ao sul. Herodes e os seus aliados ficaram temerosos, trancados no palácio, enquanto os magos se alegraram e caminharam ao encontro de Jesus. Observe que o rei não mandou nenhum representante seu e que nenhum líder religioso se animou para acompanhar os magos. Os grandes de Jerusalém ficaram paralisados ante a ameaça do Messias.
Faus (2001, p. 26) faz uma belíssima reflexão sobre a importância de cada um de nós vermos a nossa estrela. Ele compara a estrela com a nossa vocação e o sentido que esta dá à nossa vida. Ao olharmos a vida a partir da vocação que Deus nos deu, tudo se ilumina e tende a harmonizar-se. Mesmo enfrentando os desafios, cansaços e crises de cada estado de vida, a consciência da missão assumida nos dará a certeza do caminho que percorremos. É como se ela nos dissesse: “Olha para a estrela. Lembra do chamado de Deus. Volta ao primeiro amor. Tudo o que hoje fazemos foi porque a vimos e, mesmo que às vezes ela pareça oculta, nós temos a certeza de um dia tê-la visto. Esse é o sentido da nossa vida.” Quando a estrela se oculta, muitas vezes questionamos as nossas escolhas e vivemos a tentação de desistir. Os magos nos ensinam a caminhar, mesmo sem ver nada, confiantes no chamado inicial. Ao ver nossa fidelidade, Deus fará brilhar novamente a sua luz sobre nós.
“Quando entraram na casa, viram o menino com Maria, sua mãe. Ajoelharam-se diante dele, e o adoraram. Depois abriram seus cofres e lhe ofereceram presentes: ouro, incenso e mirra. Avisados em sonho para não voltarem a Herodes, retornaram para a sua terra, seguindo outro caminho.” (vv. 11-12)
Mateus não cita José. Apenas Maria é mencionada. Isso tem valor teológico e está ligado novamente ao tema da realeza. Hahn (2016, p. 65-68) explica que era comum os reis da antiguidade praticarem a poligamia. Isso deixava o povo confuso por não saber a quem honrar como rainha. Assim, surgiu o costume de honrar não uma das esposas do rei, mas sua mãe. Como esposa do rei anterior e mãe do rei em exercício, ela era um símbolo da continuidade da sucessão dinástica. Na monarquia do reino de Judá, a partir de Salomão (com suas mil mulheres – cf. 1Rs 11,1-3), teve início essa prática, que durou até o fim da monarquia, quando Judá caiu diante da Babilônia. Na ocasião, o rei Joaquin foi deportado junto com sua mãe, que é citada antes das esposas, eunucos e nobres (cf. 2Rs 24,15; Jr 13,18). O título dado à mãe do rei era gebirah, palavra hebraica que significa “a grande dama” ou “Rainha-mãe”.
O primeiro livro dos Reis nos mostra a importância da Rainha-Mãe na corte real. Todos deveriam se curvar diante do rei, e assim fez Betsabé diante do seu rei (e marido) Davi em 1º Reis 1,16. Mas, em 1º Reis 2,12-25, foi o rei Salomão quem se levantou e fez uma profunda reverência à sua mãe Betsabé. Em seguida, mandou trazer-lhe um assento e ela foi colocada à sua direita. Na Bíblia, o lado direito significa honra, prestígio e confiança. Nesse episódio, Betsabé vai à presença do rei falar em nome de outra pessoa, interceder por Adonias, o irmão mais velho de Salomão (por parte de pai). O rei, mesmo tratando sua mãe com profundo respeito, não atendeu ao seu pedido, e mandou matar Adonias. Essa atitude de Salomão mostra que a Rainha-Mãe não ameaçava seu trono e seu poder. Ele continuava sendo soberano e tomando suas próprias decisões. Embora Salomão fosse o rei, Adonias recorreu a Betsabé, dizendo: “Peça ao Rei Salomão; ele não vai lhe recusar.” Essas palavras de confiança nos deixam entrever que havia em Israel uma certa tradição de que Salomão costumava atender os pedidos de sua mãe, apesar de não o fazer neste caso específico.
Mateus mostra Jesus como o último e definitivo sucessor davídico e, da mesma forma que os reis da casa de Davi são lembrados com suas respectivas mães, Mateus apresenta ao povo da Nova Aliança a rainha a quem se deve honrar. Uma vez ressuscitado, Jesus reina para sempre, cumprindo a profecia de Natã a Davi. Ao citar apenas Maria, Mateus está nos dizendo que Jesus reinará ao lado da Rainha-Mãe, a Virgem Maria. Se o trono de Jesus é eterno, o título de Maria também é. Salomão é uma figura imperfeita do rei Jesus. O Messias não precisa eliminar inimigos políticos e não faz jogos de poder para governar. Nós já vimos que seu reino é diferente. Maria é a Rainha-mãe do reino de misericórdia de seu Filho. Assim como Jesus é superior a Salomão, Maria também é superior à Betsabé. Sua intercessão é muito mais poderosa. Jesus é soberano, e a confiança em Maria em nada diminui a sua realeza. Tenhamos uma fé maior que a de Adonias e confiemos nossas vidas à intercessão de Maria, certos de que seu filho Jesus nos poupará da segunda morte, o sofrimento eterno. Aqui cabe o conhecido ditado popular: “Pede à Mãe que o Filho atende!”
É comovente ver a fé dos Magos nesta cena. Eles encontraram uma criança pobre, sem aquilo que se esperava ver em um rei, e mesmo assim reconheceram a sua realeza e divindade. Eles se depararam com uma aparente impotência divina, mas leem toda a sua trajetória com profundidade. Não sabemos se eles encontraram os pastores e ouviram seu testemunho, mas já vimos que o testemunho da estrela era-lhes suficiente.
Os Magos passaram por Jerusalém, mas não lemos que eles tenham adorado a Deus no Templo. Nós sabemos que, quando Mateus escreveu seu evangelho, o Templo de Jerusalém já havia sido destruído pelos romanos no ano 70 d.C. Com isso, o evangelista apresenta à sua geração o novo Templo onde Deus deve ser adorado: o corpo de Cristo! Jesus encarnado é o Templo da Nova Aliança.
O Antigo Testamento previu a visita, adoração e presentes da realeza pagã ao Messias. Isaías profetizou que os reis demonstrariam reverência (49,23) e trariam presentes como ouro e incenso (60,5-6) para louvar e exaltar o Deus de Israel. Os Salmos anunciaram: “Os reis vão trazer-lhe ofertas… Todos os reis se prostrarão diante dele, as nações todas o servirão” (cf. 72,10-11). Note-se que os magos só apresentaram os presentes ao encontrarem Jesus, Mateus nada diz sobre presentes ofertados ao rei Herodes.
Os três presentes oferecidos pelos magos nos ajudam a compreender quem é Jesus. O ouro é o símbolo mais fácil de associar, ele remete à realeza. O incenso era geralmente usado nos cultos às divindades. Assim, os magos reconhecem que Jesus é Deus e lhe prestam adoração. A mirra tem pelo menos dois significados: também indica realeza, pois estava na composição do óleo usado na unção dos reis e, ao mesmo tempo, é um anúncio da paixão e morte de Jesus, pois era utilizada na preparação dos corpos para a sepultura. Os magos demonstram submissão a um rei (ouro) que é divino (incenso) e que será morto (mirra).
Em sentido espiritual, a oferta do ouro significa que todos os bens materiais devem nos servir para sermos próximos a Jesus, consagrando-lhe tudo o que possuímos. Ele, como um rei materialmente pobre, nos ensina que devemos dividir o nosso ouro/bens com os mais necessitados. O incenso, quando queimado, transforma-se em pequenas nuvens perfumadas e desaparece, podendo ser comparado ao verdadeiro amor que se entrega completamente a Deus, consumindo-se no Seu serviço. A oferta da mirra também pode significar a presença do mistério da Cruz em nossas vidas e que, por isso, devemos aprender a oferecer a Jesus as nossas dores e sacrifícios diários, ou seja, as nossas mortificações (“pequenas mortes”), como oferta de amor (Faus, 2001).
Os sábios são advertidos em sonho para evitarem novo contato com Herodes. Para não correrem esse risco, eles voltaram por outro caminho para sua misteriosa “região”. Esse detalhe nos lembra o profeta anônimo de 1º Reis 13,9-10. Gregório Magno (Homiliae in Evangelia, 10,7) reflete que os magos, ao voltarem ao seu país por outro caminho, ensinam-nos a grande lição de que nós viemos de Deus e que nossa pátria é o Paraíso. Depois de ter conhecido Jesus, é-nos vedado voltar à pátria pelo mesmo caminho pelo qual viemos. Com efeito, afastamo-nos desta pátria pelo orgulho, desobediência, apego às coisas materiais, comendo o fruto proibido. E não podemos voltar a ela senão por outro caminho: o das lágrimas, da obediência e refreando os apetites da carne. Não voltemos de Cristo a Herodes, não desprezemos a graça para voltar ao pecado.
Reflexão
1) O estudo e a ciência são dons de Deus e devem estar sempre a serviço da vida, guiados pela fé. Os peritos em Sagrada Escritura de Herodes tinham o saber, mas este não lhes serviu para encontrarem Jesus. Estavam mais preocupados com o poder, em usar seu conhecimento como instrumento ideológico para manter um reinado injusto, que oferecia privilégios aos seus cúmplices na prática do mal. Hoje também corremos o risco da religião transformar-se em uma poderosa arma de dominação. O conhecimento mal vivido pode se converter em um obstáculo no caminho para o encontro com Jesus. Aprendemos com João Batista e todos os profetas que o precederam que o Deus da vida nos chama a denunciar as injustiças, independentemente de sua origem. O que nós podemos fazer para educar nossas crianças e jovens para a verdadeira liberdade? Como podemos viver uma fé livre, que não sirva de suporte ideológico de governantes perversos? Você tem vivido um cristianismo profético? A religião que praticamos está a serviço dos fracos ou dos poderosos?
2) Uma estrela que brilha no céu normalmente é algo que pode ser contemplado por qualquer pessoa, sobretudo naquele tempo, em que as luzes das grandes cidades não ofuscavam o brilho das estrelas. Podemos dizer que os magos viram o que outros também poderiam ver. A grande diferença reside na atitude dos magos ante a visão. Eles viram e seguiram. Muitas vezes, fechamos os olhos aos apelos de Deus. Pretendemos que o pobre não seja nossa responsabilidade, que o mendigo seja apenas um obstáculo em nosso percurso e que os desabrigados sejam uma questão do Estado... agimos como Caim: “Por acaso sou o guardião do meu irmão?” (cf. Gn 4,9). Além disso, hesitamos em responder afirmativamente à nossa vocação, postergando indefinidamente o nosso “sim” ao chamado de Deus. O que podemos fazer para ter um olhar como o dos magos? Como ver além do que os outros veem? Como viver atitudes que promovam a vida? Você já discerniu a sua vocação? O que está esperando para dar sua resposta?
3) Mateus narra que a estrela só reaparece quando os magos se afastam de Herodes e saem de Jerusalém. O brilho da estrela é uma grande graça, motivo de imensa alegria. Com isso, aprendemos que algumas graças só são concedidas quando renunciamos ao pecado, quando nos afastamos dos nossos “herodes”. Você tem vivido com regularidade a grande epifania do sacramento da confissão? Tem lutado contra suas más inclinações? Tem evitado ocasiões de pecado? Se você vive sempre os mesmos ciclos que terminam nos mesmos pecados, por que não tenta um outro caminho?
4) Quando vivemos em sintonia com o Evangelho, promovemos pequenas epifanias. A vida do cristão deve manifestar Deus ao mundo. Os amigos de Jesus devem prestar ao mundo o mesmo serviço que a estrela prestou aos magos. Todos nós precisamos de luz em nosso caminho. Às vezes somos a estrela, outras vezes, os magos. Ajudamos e somos ajudados. Essa é a beleza do cristianismo. Porém, às vezes, somos como Herodes, cegos e surdos voluntários ao chamado de Deus. Acabamos vendo Deus como um obstáculo aos nossos planos egoístas, como um rival a ser superado. Quantas vezes já não sofremos a tentação de querer eliminar Deus de nossas vidas? Reze e peça a Deus a graça de ter sempre o coração aberto para oferecer os seus tesouros a todos quantos cruzarem o seu caminho na estrada da vida.
Referências
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