Aspectos gerais da carta de São Paulo aos Efésios

Por: - 08 de agosto de 2023

Imagem: Salih Altuntas, por Pixabay. Editada por Ítalo de Oliveira.

A Igreja, frequentemente retratada em outros textos com uma conotação local (comunidade destinatária específica), em Efésios é exaltada com características universais (todas as comunidades formam uma única Igreja Católica). O autor usa três metáforas para descrevê-la: corpo (Ef 1,23; 4,16), edifício (Ef 2,19-22) e esposa (Ef 5,22-23). Jesus é revelado a essa Igreja como o “Pantocrator”, ou seja, como o Cristo, Rei do Universo (Ef 1,20-22).

Éfeso: a cidade e a sociedade

No mundo greco-romano do primeiro século d.C., Éfeso era uma metrópole florescente e vibrante, aninhada na pitoresca costa oeste da atual Turquia. Em 133 a.C., Átalo III, o último monarca de Pérgamo, na ausência de descendentes, legou seu reino a Roma, originando a província romana da Ásia. Éfeso, pelo seu posicionamento estratégico, foi coroada capital em 129 a.C., emergindo como um proeminente epicentro de comércio, cultura e religião durante a era romana.

A cidade era famosa pelo seu Templo de Ártemis, um monumento que se contava entre as Sete Maravilhas do Mundo Antigo, atraindo uma multidão de peregrinos e turistas. A deusa grega Ártemis, conhecida no Novo Testamento como Diana (At 12,23), era o coração pulsante da economia local, cuja adoração gerava tensões com o nascente cristianismo. A cidade era um verdadeiro mosaico de crenças, abrigando devotos de Zeus, Dionísio e outras divindades greco-romanas, além dos cultos a Roma e ao Imperador. No mesmo caldeirão ferviam cultos egípcios a Ísis e Serápis, e uma comunidade judaica, com sua própria sinagoga, também fazia parte do ecossistema religioso.

Compreendendo a natureza multifacetada da religiosidade de Éfeso, é possível entender por que a nova fé cristã era considerada contracultural e enfrentava oposição. A recusa dos cristãos em participar dos rituais pagãos os colocava em confronto com a sociedade efésia. Na sua carta, Paulo encoraja os cristãos a permanecerem como “filhos da luz” (5,8) e a resistirem às pressões para se conformarem ao paganismo. Essa exortação se torna uma lição atemporal, ecoando até hoje, sobre a vivência da fé cristã em meio a um mundo em constante movimento e transformação.

Imersa em influências gregas, romanas e locais, Éfeso era um caleidoscópio de tradições culturais e um celeiro de erudição artística, filosófica e literária. Como um importante centro educacional, hospedava escolas e bibliotecas que eram faróis do pensamento clássico. Neste cenário, os cristãos eram instigados a navegar pelas complexidades da cultura local, discernindo entre os valores harmoniosos com a fé cristã e aqueles em desacordo com o Evangelho. A filosofia e a moralidade greco-romanas, frequentemente, colidiam com os princípios cristãos de humildade, abnegação e valorização da vida.

O tecido social efésio, marcadamente estratificado e hierárquico, se dividia entre senadores, plebeus, escravos e libertos, entre outros. Neste contexto, Paulo anunciou a mensagem de igualdade e unidade cristã, independente da origem étnica ou posição social (2,14-16; 4,4-6).

A estrutura familiar romana, com o “pater familias” como a figura central, também desempenhava um papel crucial. Paulo, ao discutir as relações familiares (5,21-6,4), propôs uma visão cristã de amor e respeito recíprocos, sublinhando a dignidade e igualdade dos membros da família no amor de Cristo.

A escravidão, uma prática comum que envolvia cerca de um terço da população do Império Romano, não era uma questão ignorada por Paulo. Na sua missiva aos efésios (6,5-9), ele instruiu senhores e escravos a tratarem uns aos outros com justiça e respeito, reforçando a igualdade universal diante de Deus.

A ordem e a estabilidade no Império Romano eram mantidas não só pelo poderio militar, mas também pelo culto a Roma, ao imperador e aos deuses romanos, uma estratégia para cimentar a lealdade dos cidadãos e a unidade imperial. Entretanto, a recusa dos cristãos em aderir a esses cultos os colocava em rota de colisão com as autoridades, culminando, por vezes, em perseguição e hostilidade. Paulo, nesse cenário, reforça a lealdade dos cristãos a um reino superior - o Reino de Deus - e ao seu verdadeiro Senhor, Jesus Cristo (1,20-23), incitando-os a viverem pacificamente como bons cidadãos (4,1-3).

A emblemática passagem da “Armadura de Deus” (6,10-20) é uma metáfora poderosa da realidade política dos cristãos naquele tempo. Paulo recorre à imagem de um soldado romano para simbolizar as virtudes e defesas espirituais que os cristãos devem empregar contra as forças do mal. Essas forças não se limitam às tentações pessoais, mas incluem as pressões políticas e culturais que ameaçam a fé e a fidelidade a Cristo. Ao despertar para a verdade de que a Igreja está firmemente ancorada e governada pelos céus, e da supremacia de Cristo sobre todas as forças espirituais (1,20-23; 2,6), os cristãos também passam a reconhecer a finitude dos poderes terrenos. Como guerreiros de Cristo, não devem ser dissuadidos pelo esplendor de nenhum Império, exército ou força mundana.

Segundo relatos de Irineu de Lião, do terceiro século, o quarto evangelho foi originado em Éfeso. E, seguindo uma antiga tradição, Timóteo, a quem Paulo delegou a tarefa de estruturar as comunidades de Éfeso, desempenhou com distinção o papel de bispo dessa Igreja (cf. At 16,1-3; 1Tm 1,3-4).

 

A relação de Paulo com a cidade de Éfeso

Nos Atos dos Apóstolos (2,9), Lucas cita representantes da Ásia durante o Pentecostes. No contexto do Novo Testamento, principalmente nos Atos dos Apóstolos, “Ásia” era geralmente usada para se referir à Ásia Menor, também conhecida como Anatólia, uma península localizada no extremo ocidental do continente asiático, abrangendo o território da atual Turquia. Dessa forma, quando menciona “Ásia”, Lucas está se referindo à Ásia Menor, da qual Éfeso era a capital, e não ao continente como um todo. Isso sugere que o testemunho desses indivíduos da Ásia Menor poderia ter sido a centelha inicial para a evangelização da região. Ao chegar em Éfeso, Paulo provavelmente encontrou uma cidade já sussurrando os ecos dos eventos ocorridos em Jerusalém.

O próprio Lucas esclarece que, num primeiro momento, o Espírito Santo restringiu a atuação de Paulo naquela região (At 16,6-7). Essa informação talvez sugira que o Espírito Santo já estivesse atuando em Éfeso. Neste contexto, Paulo, juntamente com Silas e Timóteo, planejavam uma viagem para a Ásia Menor. Contudo, o Espírito Santo os redirecionou para iniciar a segunda viagem apostólica pela Macedônia.

Durante essa viagem, por volta de 49-52 d.C, Paulo teve seu primeiro contato com Éfeso. Depois de passar por Atenas, Paulo seguiu para Corinto, onde se estabeleceu por aproximadamente um ano e meio. Partindo de Corinto, junto a Priscila e Áquila, ele seguiu para Éfeso. No percurso, em Cencreia, Paulo cortou o cabelo em cumprimento a um voto de nazireu.

Ao chegar em Éfeso, Paulo pregou na sinagoga, estabelecendo um diálogo com os judeus locais que o incentivaram a permanecer na cidade. Apesar do pedido, Paulo passou pouco tempo ali, mas partiu com a promessa de retornar, se assim fosse a vontade de Deus (At 18,21). Ele confiou a Priscila e Áquila a tarefa de continuar a construção da comunidade cristã em Éfeso, enquanto prosseguia sua viagem.

Quis a vontade de Deus que Paulo retornasse a Éfeso, dessa vez para permanecer ali cerca de três anos (cf. At 20,31). Em sua terceira viagem apostólica, por volta dos anos 53-57 d.C., o Apóstolo fez de Éfeso uma espécie de centro missionário de irradiação do Evangelho na Ásia, do qual surgiram novos núcleos de cristãos em Colossos, Hierápolis e Laodicéia (cf. Cl 4,12-13). Nesse período, Paulo escreveu as cartas aos Gálatas, Filipenses, 1Coríntios e, provavelmente, a “carta escrita em meio a muitas lágrimas” (cf. 2Cor 2,3-4), que pode ser identificada com 2Coríntios 10-13. A partir de Éfeso, ele pôde monitorar de perto os desafios da comunidade coríntia.

Ao chegar na cidade, Paulo encontrou cerca de doze discípulos de João Batista, aos quais conferiu o batismo e a imposição das mãos. O Espírito manifestou-se nesse grupo de joanitas, que começou a profetizar e falar em línguas (At 19,1-7).

Daniel-Rops (2006, pp. 118-119) nos ajuda a entender a rotina de Paulo em Éfeso. Inicialmente, o Apóstolo discursou para a colônia judaica local na sinagoga durante três meses (At 19,8). Com a divisão dos judeus e a aceitação de sua mensagem por apenas uma minoria, Paulo voltou seu ensinamento para os pagãos, durante mais de dois anos (At 19,9-10). Paulo fez um acordo com um professor chamado Tiranos para utilizar sua sala de aula. Alguns manuscritos antigos dos Atos dos Apóstolos, em At 19,9, especificam que ele ensinava "da quinta hora até a décima hora". Isso corresponderia, em termos modernos, a um horário aproximado das 11 da manhã às 4 da tarde. As atuais traduções não contém esse acréscimo, mas ele nos ajuda a entender a rotina do Apóstolo. Assim, um dia comum da vida de Paulo em Éfeso era dividido em quatro partes: trabalho matinal na oficina de Áquila; ensino e pregação do Evangelho das 11h às 16h; visitas aos doentes e inválidos após devolver a sala a Tiranos; e ao cair da tarde, seguindo o costume da Igreja primitiva, reunia-se com todos os batizados para o ágape fraterno, no qual se celebrava a Eucaristia.

Durante o apostolado de Paulo em Éfeso, Lucas registra eventos notáveis, incluindo curas milagrosas, embates com exorcistas itinerantes e uma cerimônia pública de incineração de livros de magia (cf. At 19,11-20).

Um dos episódios mais tumultuosos, no entanto, foi o “motim dos ourives” (At 19,23-41), que provocou grande alvoroço em Éfeso. A pregação fervorosa de Paulo atraía cada vez mais convertidos ao cristianismo, o que, por sua vez, reduzia a demanda por imagens de prata da deusa Ártemis. Como consequência, o comércio religioso, que se mantinha em torno da adoração a Ártemis, experimentava um declínio considerável.

Ártemis, a deusa da fertilidade, era cultuada de modo muito realista, com os rituais de “prostituição sagrada”. Além disso, seu numeroso clero exigia um aporte considerável de recursos, sublinhando a relevância fundamental do comércio que florescia ao redor de sua veneração.

Percebendo a queda de lucros, Demétrio, um ourives, mobilizou outros profissionais do mesmo ofício e aqueles cuja subsistência dependia do comércio religioso. Ele incitou um motim contra Paulo e seus seguidores, culpando-os pelo declínio econômico da cidade e pela desonra a Ártemis e seu templo. A agitação rapidamente tomou a cidade, e dois companheiros de Paulo, Gaio e Aristarco, foram arrastados para o teatro local.

A desordem só foi contida pela intervenção do escrivão da cidade, que argumentou que qualquer acusação legítima contra Paulo e seus seguidores deveria ser apresentada às autoridades competentes, e não tratada por meio de tumultos. Esta ação preveniu que os cidadãos de Éfeso pudessem ser acusados de sedição pelo Império Romano.

Após o “motim dos ourives”, Paulo decidiu deixar Éfeso, partindo em direção à Macedônia, com seu grupo de colaboradores. Ele atravessou diversas cidades e, por breve momento, se deteve em Mileto, de onde mandou chamar os anciãos da igreja de Éfeso, para um encontro derradeiro com as lideranças dessa comunidade, à qual deixou suas palavras finais, como em testamento (At 20,17-38).

Em seu emocionante discurso, Paulo sublinhou que a sua motivação nunca foi o ganho material ou o orgulho pessoal, mas unicamente o cumprimento da sua missão sagrada: a proclamação do Evangelho em benefício da Igreja. Esta postura representou um contraste flagrante com a ganância que precipitou a revolta dos ourives, que sob o pretexto de defender a honra da deusa Ártemis e do seu templo, tinham como principal interesse o lucro financeiro.

 

Atuação de Apolo na evangelização de Éfeso e Corinto

No que diz respeito à evangelização de Éfeso, é importante salientar o papel de um judeu chamado Apolo. Originário de Alexandria, um proeminente núcleo cultural e educacional do mundo helenístico, Apolo provavelmente teve uma educação abrangente em teologia judaica, retórica e filosofia grega. Atos 18,24-28 relata que Apolo era um “homem eloquente e bem versado nas Escrituras”. Lucas relata que, com a audácia inspirada pelo Espírito, Apolo pregou fervorosamente na sinagoga de Éfeso. Embora suas pregações sobre Jesus fossem corretas, seu entendimento era restrito ao batismo de João. Ao ouvi-lo, Priscila e Áquila o acolheram e completaram seu conhecimento sobre o Caminho.

Posteriormente, Apolo seguiu para Acaia, onde a sua oratória vigorosa em Corinto foi decisiva para a conversão de vários judeus, pois ele “demonstrava pelas Escrituras” que Jesus era o Messias esperado. O seu ministério foi tão impactante que, em Corinto, alguns convertidos se identificavam como seus seguidores, enquanto outros afirmavam seguir Paulo, Pedro ou Cristo. Esta divisão provocou uma reprimenda veemente de Paulo, que sublinhou a unidade da Igreja, alegando que todos os servidores do Evangelho estão sob a autoridade de Cristo, como cooperadores de Deus (cf. 1Cor 1,10-12; 3,4-9).

 

Estilo de composição da carta

Embora chamado de carta, o texto de Efésios mais se assemelha a um discurso, sermão ou homilia. As  características de correspondência constam apenas no início (1,1-2) e no final (6,21-24). Alguns estudiosos a classificam como uma “catequese mistagógica” - discurso com tom litúrgico e solene, destinada a recém-batizados.

A obra se distingue por sua ausência quase total de elementos pessoais, um desvio marcante das cartas paulinas ditas autênticas. Sua composição é rica e variada, entrelaçando hinos (1,3-14.20-23; 2,14-18), doxologia (3,20-21), e preces de súplica e agradecimento (1,15-19; 3,14-19).

Bosch (2002, p. 360), observa que Efésios emprega um vocabulário de 529 palavras distintas. Entre estas, 39 são “hápax”, ou seja, palavras com única ocorrência no Novo Testamento, ao passo que 79 palavras são ausentes nas sete cartas reconhecidas como autenticamente paulinas. No total, Efésios possui 2.425 palavras, com uma proporção média de vocabulário de 4,58. Uma obra de riqueza lexical e estilística, Efésios é, sem dúvida, de importância fundamental para o corpus paulinum.

 

Conteúdo, propósitos e temas principais

Após a abertura, a epístola apresenta dois grandes blocos complementares: o primeiro, de cunho doutrinário, e o segundo, um apelo vigoroso à ação com base nos ensinamentos já lançados. Depois, temos a conclusão, que contém notícias e saudações finais.

A visão de Paulo sobre Deus é marcada por uma perspectiva trinitária. Ele evidencia a ação conjunta do Pai, do Filho e do Espírito Santo na salvação e redenção da humanidade. Paulo destaca as bênçãos do Pai (1,3-6), o ato redentor do Filho (1,7-10) e a marca indelével do Espírito Santo (1,13-14) na vida dos cristãos.

O Apóstolo presta homenagem à generosidade do Pai que provê a humanidade com todas as bênçãos espirituais em Cristo,  destinando os fiéis à adoção como filhos de Deus (1,3-6). Ele ilustra a graça de Deus como a força unificadora entre judeus e gentios, que, por meio de Cristo, derrubou o muro de separação entre esses dois grupos, originando um povo novo: a Igreja (2,11-22).

Paulo revela o mistério do plano divino, que consiste em unificar tudo em Cristo (1,9-10). Ele também ressalta a onipotência de Deus, que ressuscitou Jesus e o fez sentar à Sua direita (1,19-23).

Quando se trata do dom da salvação, é enfático: é pela fé que somos salvos, não por nossas ações, prevenindo qualquer forma de arrogância (2,8-9). Paulo atua como exemplo para todos os cristãos, ensinando-nos a “dobrar nossos joelhos” em preces perante o Pai, intercedendo por todos os irmãos (3,14-19). Dessa forma, a fé genuína do cristão deve se manifestar em uma vida repleta de boas ações, começando pela oração e amor ao próximo.

A Igreja e a vida cristã possuem destaque na reflexão de Efésios, ambas unidas na revelação do mistério de Jesus Cristo, que antes estava velado e agora se descortina (1,9; 3,4.9). A Igreja, frequentemente retratada em outros textos com uma conotação local (comunidade destinatária específica), em Efésios é exaltada com características universais (todas as comunidades formam uma única Igreja Católica). O autor usa três metáforas para descrevê-la: corpo (Ef 1,23; 4,16), edifício (Ef 2,19-22) e esposa (Ef 5,22-23). Jesus é revelado a essa Igreja como o “Pantocrator”, ou seja, como o Cristo, Rei do Universo (Ef 1,20-22).

O segundo bloco da epístola foca na vida cotidiana dos cristãos e em como eles devem colocar em prática as verdades apresentadas anteriormente. Paulo conclama os efésios a viverem em consonância com a vocação que assumiram, refletindo assim o “homem novo” (4,24). A carta discute a unidade do corpo de Cristo e a função dos diversos ministérios na Igreja (apóstolos, profetas, evangelistas, pastores e mestres - 4,11-16), sublinhando a relevância de cada indivíduo na construção desse corpo. O apóstolo alerta contra uma vida profana e pecaminosa, incentivando os cristãos a se comportarem como filhos da luz (5,8) e a vestirem a armadura de Deus para resistir às seduções do mal (6,10-20).

Nesse contexto, Paulo enfatiza a importância das relações familiares e sociais, oferecendo orientações específicas para maridos e esposas, pais e filhos, e senhores e servos (5,21-6,9). A carta termina com um encorajamento à perseverança e uma bênção de paz, amor, fé e graça aos irmãos de Éfeso (6,23-24).

 

Estrutura e divisões

Para esboçarmos a estrutura geral da carta aos Efésios, fizemos uma adaptação das sugestões de Bosch (2002, p. 361) e Hahn (2017, p. 51), conforme segue:

1. Abertura (1,1-2)
2. Exposição doutrinal (1,3-3,21)
a)     Origem divina da Igreja (1,3-14)
b)     Oração pela Igreja (1,15-23)
c)     As bases do cristianismo: da morte à vida (2,1-22)
d)     O ministério apostólico e oração pela Igreja (3,1-21)
3. Exortação moral (4,1-6,20)
a)     Unidade da Igreja (4,1-16)
b)     Maturidade moral na Igreja (4,17-5,20)
c)     Vida em família (5,21-6,9)
d)     Batalha espiritual (6,10-20)
4. Saudações e bênçãos (6,21-24)


Relação com a Carta aos Colossenses

Qualquer comentário de Efésios que se preze, deve tratar inevitavelmente da relação desse escrito com a carta aos Colossenses. Os motivos da comparação são muito relevantes, com implicações na autoria e na identidade dos destinatários de Efésios.

O texto ecoa mais de um terço dos versículos de Colossenses, em uma ordem semelhante, e mais de 30 frases de Colossenses ressoam em Efésios. Além disso, metade do vocabulário de Efésios parece inspirado em Colossenses, uma coincidência verbal que se estende a mais de 80% dos versículos de Efésios.

Essa dinâmica intertextual conduz à teoria de que o autor de Efésios remodelou a Carta aos Colossenses, incorporando reflexões, especialmente aquelas relacionadas à eclesiologia, em um processo semelhante ao empregado na Epístola aos Romanos, em que Paulo ampliou o que havia esboçado na Carta aos Gálatas. Essa reescrita pode ter sido motivada pela necessidade de enfrentar uma heresia crescente entre os colossenses, um amálgama de crenças judaicas e pagãs, influenciadas por tradições locais, misticismo, veneração a anjos e seres espirituais intermediários, bem como filosofias e tradições humanas.

Bortolini (2001, p. 9) propõe que ambas as cartas foram escritas no mesmo local e momento, e enviadas juntas por meio de Tíquico (Ef 6,21-22; Cl 4,7-8), possivelmente auxiliado por Onésimo, que por sua vez levava uma carta endereçada ao seu patrão, Filemon (Cl 4,9; Fm 12), adicionando uma dimensão de contexto e significado a essa intrincada rede de correspondência.

Embora as epístolas aos Efésios e aos Colossenses compartilhem várias semelhanças, é importante destacar suas diferenças significativas em relação ao conteúdo, ênfase e propósito.

Efésios foca na Igreja como o corpo de Cristo, ressaltando a unidade e a diversidade dos crentes, com uma abordagem positiva e geral, visando fortalecer a fé e consolidar a Igreja. Por outro lado, Colossenses enfoca a soberania de Cristo, confrontando diretamente heresias específicas que negavam tal primazia e reforçando a suficiência de Cristo para a salvação.

Além disso, Efésios explora mais a fundo o “mistério da salvação”, enquanto Colossenses aborda o tema de forma mais implícita. Finalmente, uma diferença intrigante é a ausência de citações diretas ao Espírito Santo em Colossenses, onde as referências ocorrem apenas em alusões a conceitos e princípios relacionados (cf. Cl 1,8; 1,27; 3,16).

Essas diferenças evidenciam a habilidade de Paulo em adaptar sua mensagem às necessidades específicas de cada comunidade e, ao mesmo tempo, demonstram a riqueza e a profundidade do seu pensamento teológico, capaz de abordar questões de fé e prática sob diferentes ângulos.

 

Autoria e destinatários

Veremos detalhadamente esses tópicos no próximo estudo, no qual exploraremos as particularidades de Efésios 1,1-2.

 

Referências

BORTOLINI, José. Como ler a Carta aos Efésios: o universo inteiro reunido em Cristo. São Paulo: Paulus, 2001. (Série “Como Ler a Bíblia”).

______. Como ler a Carta aos Colossenses: reconstruir a esperança em Cristo. 2. ed. São Paulo: Paulus, 1996. (Série “Como ler a Bíblia”).

______. Literatura Paulina. Aparecida, SP: Editora Santuário, 2019. (Conheça a Bíblia - Estudo Popular; 6)

BOSCH, Jordi Sánchez. Escritos Paulinos. Tradução de Alceu Luiz Orso e Jaime Sánchez Bosch. São Paulo: Editora Ave-Maria, 2002. - (Introdução ao estudo da Bíblia; v. 7)

COMBLIN, José. Epístola aos Efésios. Petrópolis e São Leopoldo: Vozes e Sinodal, 1987. (Comentário Bíblico NT).

COTHENET, Edouard. São Paulo e o seu tempo. Tradução de Benôni Lemos. São Paulo: Paulinas, 1984. (Cadernos bíblicos; 26)

DANIEL-ROPS, Henri. São Paulo: conquistador de Cristo. Tradução de António Carlos de Azeredo. Porto: Civilização Editora, 2006.

HAHN, Scott; MITCH, Curtis; WALTERS, Dennis. As cartas de São Paulo aos gálatas e aos efésios - Cadernos de estudo bíblico. Tradução de Giuliano Bonesso. Campinas, SP: Ecclesiae, 2017.

LOCKMANN, P. Homem e mulher: papéis e funções à luz de Colossenses e Efésios. Estudos Bíblicos, São Paulo, v. 23, n. 85, p. 80–89, 2022. Disponível em: https://revista.abib.org.br/EB/article/view/811. Acesso em: 10 dez. 2022.

PERONDI, Ildo; ROSSI, Luiz Alexandre Solano. Apocalipse: a força da resistência dos pobres. São Paulo: Paulus, 2021.

TRICOT, Alphonse Eile. São Paulo: Apóstolo dos Gentios. Tradução de Pablo Pinheiro da Costa. Dois Irmãos, RS: Minha Biblioteca Católica, 2019.

WRIGHT, N. T. Paulo para todos: cartas da prisão: Efésios, Filipenses, Colossenses e Filemon. Tradução de Marson Guedes e Marília Arcosi Peçanha. Rio de Janeiro: Thomas Nelson Brasil, 2020.

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